MPF quer anulação de norma que entregou aos municípios o poder de autorizar garimpos no Pará
Estudo feito pelo Instituto Socioambiental e pelo WWF-Brasil destaca que impactos da atividade vão além dos limites municipais
Águas turvas em Alter do Chão, em 2022. Foto: Erik Jennings
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o governo do Pará anule uma norma que repassou aos municípios o poder de autorizar garimpos no estado, o único da Amazônia onde isso ocorre. A recomendação, que serve como um alerta para evitar que o MPF tenha que levar o caso à Justiça, foi expedida nesta sexta-feira (17).
O documento cita nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA) e do WWF-Brasil que destaca que os impactos ambientais dos garimpos não ficam restritos aos limites municipais. Nesses casos, a legislação e a jurisprudência estabelecem que o licenciamento deve ser feito pelo governo estadual ou pelo governo federal, conforme impactos e localização do garimpo.
A recomendação ressalta que, ao responder questionamento em inquérito que o MPF abriu sobre o tema, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará informou que não há pareceres técnicos ou jurídicos que tenham fundamentado a delegação do licenciamento aos municípios.
Impactos por regiões inteiras – No tipo de exploração garimpeira mais comum na Amazônia, feita nos leitos e nas margens de rios e córregos – o chamado garimpo aluvionar –, os impactos e danos ambientais são principalmente a mudança na qualidade da água devido ao assoreamento e à contaminação por mercúrio, além do desmatamento, registra a nota técnica do WWF-Brasil e do ISA.
“Por sua natureza, todos esses impactos e danos são caracterizados como microrregionais ou regionais, não sendo possível vislumbrar hipótese de atividade garimpeira aluvionar de ouro cujos impactos se restrinjam ao âmbito local”, frisa o estudo.
Como os garimpos geralmente estão concentrados em determinadas regiões, os impactos são ainda mais potentes porque se acumulam e se combinam no espaço e ao longo do tempo. Se a avaliação dos impactos for feita apenas de forma isolada, garimpo a garimpo, sem levar em consideração esse contexto, toda a sistemática da avaliação fica desvirtuada, alertam os pesquisadores.
Tapajós como prova – Ao detalhar exemplos dos impactos da mineração, o ISA e o WWF-Brasil registram estudos que constataram que os sedimentos de garimpos de Jacareacanga percorrem longas distâncias pelo rio Tapajós, recebendo contribuições significativas dos afluentes localizados em Itaituba e chegando até Santarém, onde não há registro de atividade garimpeira.
A chegada de sedimentos a Santarém foi destacada pela imprensa em janeiro de 2022, quando houve escurecimento das águas na altura do distrito de Alter do Chão, lembram os especialistas.
Em 2018, ainda antes da mais recente onda de expansão do garimpo na Amazônia, laudo elaborado pela Polícia Federal (PF) com apoio da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) já indicava que no Tapajós a mineração ilegal de ouro despejava 7 milhões de toneladas de sedimentos no rio por ano.
Isso significa que, mesmo em um ritmo de exploração menos intenso que o atual, a cada 11 anos o garimpo já lançava no Tapajós um volume de detritos equivalente ao volume de lama da barragem da Samarco que rompeu em Mariana (MG) em 2015, destruindo a calha do rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo.
Mercúrio se alastra – Recentemente, estudo coordenado pela Ufopa demonstrou altos níveis de contaminação entre moradores ribeirinhos e urbanos na região de Santarém, e análises demonstram que as fontes contaminantes – garimpos localizados em outros municípios – se encontram a dezenas de quilômetros do município estudado, rio acima, informam WWF-Brasil e ISA.
“Embora as lavras garimpeiras estejam localizadas nos municípios de Jacareacanga, Itaituba, Novo Progresso e, em menor medida, Trairão, há estudos comprovando a contaminação de seres humanos e peixes por mercúrio em todos os municípios a jusante [rio abaixo] da bacia do Tapajós: Rurópolis, Aveiro, Belterra e Santarém”, detalham.
Como indicativo da falta de capacidade dos municípios para conduzir o licenciamento e para fiscalizar as atividades licenciadas, a recomendação e a nota técnica citam entrevista concedida em 2022 pelo prefeito Valmir Climaco, de Itaituba, o município campeão em concessões de lavras no país. À imprensa ele admitiu que o município concedeu mais de 500 licenças “e nunca fomos fiscalizar”.
Demais notificados – O MPF também encaminhou a recomendação a órgãos ambientais e de segurança federais e estaduais, para que não reconheçam a validade das licenças para garimpos emitidas pelos municípios a partir da ciência da recomendação, sobretudo na bacia do Tapajós.
A recomendação também foi enviada à Agência Nacional de Mineração (ANM), para que sejam negados e não renovados os requerimentos de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) amparados por licenças ambientais expedidas por municípios. As permissões atuais devem ser retificadas, para que o licenciamento seja conduzido pelos órgãos competentes.
Sobre recomendações – Recomendações são instrumentos do Ministério Público que servem para alertar agentes públicos sobre a necessidade de providências para resolver uma situação irregular ou que possa levar a alguma irregularidade.
O não acatamento infundado de uma recomendação, ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não acatá-la total ou parcialmente pode levar o Ministério Público a adotar medidas judiciais cabíveis.
Íntegra da recomendação expedida pelo MPF
Íntegra da nota técnica do ISA e do WWF-Brasil
Fonte: Ministério Público Federal