Parauapebas: Por suspeita de publicidade irregular, advogados acabam na delegacia
Responsável por escritório alega não ter contratado as peças publicitárias e nega falsas promessas em atendimentos |
O que a princípio aparentava ser apenas uma propaganda divulgando um serviço, acabou motivando uma investigação encabeçada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – subseção Parauapebas, com apoio da Polícia Civil, quando advogados foram acusados de fraude na manhã desta sexta-feira (21). Três profissionais de um escritório de advocacia foram levados para a 20ª Seccional Urbana de Polícia Civil e não tiveram os nomes divulgados. Além deles, alguns clientes que estavam no local foram encaminhados também, bem como Jeanne Barros, representante do estabelecimento investigado.
Recibo do pagamento de R$ 200, referente à base de cálculo da correção do imposto |
A peça publicitária veiculada em emissora de televisão local informava que aqueles que possuem conta de luz em seu nome atualmente ou nos últimos cinco anos, têm direito de receber ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que teria sido cobrado de maneira indevida. Era acrescentado, ao texto, o endereço do escritório para que fosse procurado a partir de 17 de julho.
Na porta do escritório, há duas placas, uma delas divulgando esse serviço e outra semelhante, mas direcionada para o FGTS. Paralela a essas placas, há uma terceira, que lista os tipos de serviços fornecidos pela equipe de advogados no lugar, além do e-mail de Jeanne.
Acontece que é vedado a advogados realizarem esse tipo de publicidade de seus serviços. Além disso, eles estariam prometendo aos clientes resultados em até 120 dias, o que é impossível prever.
APREENSÃO
Após o caso ser denunciado, a Polícia Civil, junto com a presidente da OAB, estiveram no local, onde documentos foram apreendidos. Alguns clientes estavam por lá no momento da ação e gravaram entrevista para o pastor Luiz Fernando, repórter de um portal de notícias de Canaã dos Carajás.
Lucilene Carvalho da Silva, dona de casa, conta ter tomado conhecimento do serviço oferecido por meio de uma propaganda. “Eu vim até aqui, fui atendida e ela falou que era um dinheiro indevido que a Equatorial estava cobrando e que eles fariam restituição para nós. Tinha que pagar R$ 200 porque o contador estava pedindo esse valor e eles iam resgatar esse dinheiro para nós, só que nós teríamos que passar 20% para eles”.
Ela diz que ficou em dúvida e por isso não efetuou o pagamento no mesmo dia, buscando mais informações para poder seguir com a negociação. Ao perceber a presença policial e da imprensa no local, ela decidiu abordar o repórter, informando que, no caso dela, prometia-se a restituição de R$ 4,5 mil.
Edmilson de Brito Correia chegou a fechar contrato com o escritório e realizar o pagamento dos R$ 200 iniciais. “Eles falaram que era um valor de ICMS, que foi cobrado duas vezes na nossa conta de luz e que iria ter restituição”. Questionado se o escritório deu algum prazo para que o dinheiro retornasse, ele diz que foi de 120 dias. “Eu vi a polícia aí e vim aqui verificar, pelo menos para ver o que está acontecendo, se isso é verdade ou não”.
Sobre a publicidade divulgada, a RBA emitiu nota informando que a empresa R Barbosa Lima procurou a emissora para veiculação de mídia. “Nós atendemos a empresa e vendemos nosso produto. Não temos nenhuma responsabilidade na prestação de serviço da mesma”.
A Equatorial Pará, por sua vez, explicou não ser procedente que esteja havendo restituição do ICMS, imposto estadual cobrado na conta de energia. “O cliente da distribuidora deve ficar atento ao repassar dados pessoais a terceiros, pois corre o risco de cair em golpe”, informou, asseverando que o imposto é repassado para o Governo do Estado e que qualquer questionamento ou pedido de devolução deve ser dirigido ao poder público estadual.
A reportagem do Correio de Carajás apurou que, em um primeiro momento, a Polícia Civil atuou no acompanhamento da ação da OAB para realizar intimações, porém, no local, foi constatado que a situação pode estar em estado de flagrante e diante do possível crime de estelionato, as pessoas foram conduzidas até a Delegacia de Polícia Civil, para prestarem depoimentos.
ORDEM DOS ADVOGADOS
Maura Paulino, presidente da OAB subseção Parauapebas, esclarece que conforme o código de ética da organização, advogados não podem realizar esse tipo de publicidade de seus serviços. No caso específico, explica, é prometer que o processo será resolvido em 120 dias, pois não é possível fazer esse tipo de previsão.
Ela detalha que foram feitas denúncias para a OAB, inclusive de advogados de Parauapebas e região, o que ensejou a investigação realizada pelo órgão, que verificou qual era o escritório e quais advogados trabalham lá. “Eles não pertencem à subseção de Parauapebas e todas as informações foram verificadas e confirmadas”, detalha a presidente. Maura Paulino, de forma imparcial, considerou que uma emissora de TV não pode ser culpada no caso, uma vez que ela também foi enganada ao ser contratada para veicular ou anúncio.
“A advogada (Jeanne) alega que não tinha ciência dessa publicidade, que não foi contratada por ela, mas pelo escritório de contabilidade”, continua. Ela complementa informando que Jeanne disse ter solicitado a retirada da divulgação, mas quando a OAB soube da chamada, imediatamente entrou em contato com o canal de comunicação para fazer a mesma solicitação.
Além da publicidade irregular, Maura descreve que a forma como eram apresentados os cálculos aos clientes também estava inadequada. “Para entrar com esse tipo de ação é necessário um cálculo tributário por uma equipe de contadores”. Ainda de acordo com ela, também não se pode garantir que a restituição, de fato, irá acontecer. “Nenhum advogado pode dar garantia no seu processo, nós somos uma atividade de meio e não de fim”.
Mais uma questão, destaca, é que atualmente os processos de restituição de ICMS estão suspensos no STF. “Pode acontecer (uma restituição), mas juridicamente a gente acha que não é tão fácil um processo ser resolvido entre 90 e 120 dias”.
A presidente pontua que a infração ética será investigada pela OAB e o escritório será notificado. À Polícia Civil, caberá verificar se existe alguma outra situação, criminal, relacionada ao caso, pois muitas pessoas teriam ido até a delegacia para realizar denúncias. Entre quinta-feira (20) e esta sexta (21), alguns clientes receberam valores de volta. “Aquelas pessoas que se sentiram prejudicadas, enganadas, podem vir até a delegacia também, para registrar o boletim de ocorrência e ir até o escritório para verificar a situação da devolução de valores”, explica.
Por fim, ela esclarece que a comissão de prerrogativas se fez presente na delegacia, para garantir a defesa dos advogados acusados.
ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA
Jeanne Barros, representante do escritório de advocacia denunciado, concorda que conforme o regulamento da OAB o profissional não pode realizar nenhum tipo de propaganda para captar clientes, independente do veículo de comunicação e nega que a ação tenha partido da equipe. “Eu posso dizer, com toda certeza, que essa divulgação não foi feita com a minha equipe de advogados”. Ela assevera que também está investigando a situação, ressaltando que imagina quem seja o autor, suspeitando de uma grande empresa de contabilidade com quem tem parceria.
Jeanne alega que escritório não tinha conhecimento das publicidades
Ela reclama que documentos foram apreendidos sem ordem judicial. “Ele (o delegado de Polícia Civil) usou a expressão de que era um flagrante (a ação) e que eles precisavam levar a documentação. Eu falei ‘acho que o senhor está errado’”, diz, frisando que nenhum mandato foi apresentado.
Ela defendeu, também, que o perito tributário, dono da empresa de contabilidade parceira do escritório, devolveu dinheiro àquelas pessoas que desistiram dos processos naquele momento e que ela e os colegas não recebem dinheiro adiantado. “Nós recebemos 20% ao final, de honorários advocatícios, que é o nosso direito”, informa.
Jeanne defende que o escritório atua há muitos anos em Parauapebas e que, apesar de as ações relacionadas ao ICMS estarem suspensas em instâncias superiores, isso não impede que os clientes busquem os direitos. Sobre a alegação de falsas promessas eram feitas no escritório, ela nega. “No escritório a gente não promete nada, até porque o advogado depende do juiz para poder sentenciar, eu sozinha não sou ninguém. Se eu pudesse, daria o direito para todo mundo. (…) No escritório a gente esclarece que em média, de 90 a 120 dias, o cliente vai receber número de processo, link de acompanhamento, aguardando a sentença judicial. Alguns entenderam que nesse prazo iriam receber o dinheiro, mas não é bem assim”, sustenta.
No final da tarde desta sexta, Geovane Oliveira Gomes, advogado de defesa do grupo investigado, entrou em contato com a reportagem do Correio de Carajás, para atualizar as informações. Conforme ele, os advogados suspeitos foram ouvidos na delegacia e liberados. Agora, a Polícia Civil seguirá com o inquérito para investigar se houve, ou não, o crime de estelionato. Ele é veemente ao afirmar que, de seu ponto de vista, não houve crime. “Depois da oitiva de todos, do ponto de vista da defesa técnica, não teve crime de estelionato e nem golpe”, declara. O advogado reforça que a propaganda veiculada não foi solicitada pelo escritório de advocacia e, nesse cabe, de fato cabe a investigação administrativa da OAB.
Os documentos apreendidos também foram devolvidos.
CONTRATO
A reportagem teve acesso ao contrato que é firmado entre cliente e escritório. Ele é referente a serviços profissionais de advocacia na área tributária, quando a recuperação de tributos pagos a maior e/ou indevidamente. Todas as despesas do processo ficam por conta do contratante e é feito cálculo de 20% de honorários, sobre o valor líquido e atualizado de todos os tributos restituídos ou compensados.
No recibo de R$ 200 entregue para os clientes, existe a informação que é referente a base de cálculo da correção do imposto. O papel é timbrado com a sigla “ICMS”.
O QUE É ICMS
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é um imposto estadual sob administração estadual brasileiro, ou seja, somente os governos dos estados e do Distrito Federal têm competência para instituí-lo.